As práticas narrativas respeitam as pessoas como especialistas de suas próprias vidas. Como tal, a nossa especialidade não está na forma como entregamos “intervenções”, mas na forma como fornecemos um contexto, através de perguntas, que possibilita às pessoas tornarem-se mais conscientes das suas próprias competências e conhecimentos e de como usá-las para resolver dificuldades que possam estar enfrentando.
Incluímos aqui uma coleção diversificada de recursos sobre os tipos de colaborações que são um aspecto fundamental da prática narrativa.
Amanda Worrall é enfermeira em saúde mental no Território do Norte (Austrália). O vídeo a seguir conta a história de como June e Amanda encontraram maneiras de usar conversas de externalização para nomear e falar sobre paranóia social (PS). Também descreve as maneiras pelas quais essas conversas permitiram que June recuperasse sua vida dos efeitos da paranóia. Esta apresentação foi filmada no Dulwich Center no Festival Internacional da Primavera de Prática Narrativa, que aconteceu de 21 a 23 de setembro de 2011.
A terapia narrativa e as práticas de trabalho comunitário envolvem o que veio a ser chamado de posição “Decentiva e Influente”, a partir da qual podemos trabalhar com as pessoas. No documento a seguir Michael White descreve essa postura terapêutica. – Michael White Workshop Notes
É intenção do terapeuta adotar uma postura “descentralizada e influente” nas conversas que teve com as pessoas que as consultam – para desenvolver práticas terapêuticas que lhe possibilitem ocupar o quadrante superior esquerdo. A noção de “descentrado” não se refere à intensidade do envolvimento do terapeuta (emocional ou não) com pessoas que procuram uma consulta, mas à realização do terapeuta de acordo com as histórias pessoais e com os conhecimentos e habilidades dessas pessoas. No que diz respeito às histórias pessoais da vida das pessoas, no contexto dessa conquista, essas pessoas têm um status de “autoria principal”, e os conhecimentos e habilidades que foram gerados na história de suas vidas são as principais considerações.
O terapeuta é influente, não no sentido de impor uma agenda ou de entregar intervenções, mas no sentido de construir um andaime, através de perguntas e reflexões, que possibilite que as pessoas:
a) mais ricamente descrevam as histórias alternativas de suas vidas,
b) entrarem e explorarem alguns dos territórios negligenciados de suas vidas, e
c) tornarem-se mais significativamente familiarizadas com os conhecimentos e habilidades de suas vidas que são relevantes para abordar as preocupações, dificuldades e problemas que estão à mão.
Neste artigo, por Sue Mann, examinamos as formas de documentar que se baseiam em práticas colaborativas, com referência particular à escrita de registros médicos.
‘Representação colaborativa: Ideias narrativas na prática’| Sue Mann
A equipe do “Just Therapy”, do “Family Centre”, em Wellington, na Nova Zelândia, conta com Warihi Campbell, Kiwi Tamasês, Flora Tuhaka e Charles Waldegrave. Seu trabalho altamente respeitado, que envolve um forte compromisso com questões de cultura, gênero e desvantagens socioeconômicas, passou a ser conhecido como Just Therapy. Esses profissionais e seu trabalho influenciaram significativamente a terapia narrativa e as respostas do trabalho comunitário para a prestação de contas.
Um pedaço do livro ‘Just Therapy’
Esta apresentação de Tileah Drahm-Butler pretende trazer à tona a forma como a terapia narrativa pode ser usada como uma prática descolonizante, onde o conhecimento dos Aborígines e das Ilhas do Estreito de Torres e sua habilidade na resistência são honrados e discutidos em um cenário terapêutico. Assistente Social em ambiente hospitalar, atualmente trabalhando no Departamento de Emergência e Unidades de Terapia Intensiva, Tileah completou o Mestrado em Terapia Narrativa e Trabalho Comunitário em 2014. Ela é apaixonada por encontrar maneiras de descrever as práticas da Terapia Narrativa de maneiras que são culturalmente ressonantes para os aborígines e para o povo das Ilhas do Estreito de Torres. Além disso, no trabalho que Tileah faz, ela continua a aprender junto com as pessoas que ela conhece para criar e recriar práticas narrativas que ressoam culturalmente e que são moldadas por práticas culturais e espirituais.
Descolonizando Histórias de Identidade | Tileah Drahm-Butler
Para refletir:
De que maneiras você já fez colaborações antes? O que tornou essas colaborações possíveis?
O que pode dificultar a entrada nessas práticas?
Se essas formas de trabalho se adequarem a você, quais são os próximos passos para construir parcerias / colaborações em seu trabalho?
Por favor, junte-se agora a outras pessoas para refletir sobre estas questões e outras maravilhas abaixo! Por favor, inclua de que estado e país você está escrevendo.
Amanda Worral, enfermeira de Saúde Mental do Norte da Austrália, nos apresenta uma aula instigante sobre Colaboração e Responsabilidade, nos conta sobre um caso clínico de Paranóia Social e as formas de nomeá-la e externaliza-la com as práticas narrativas. Através da história de June, uma paciente psiquiátrica com transtorno esquizoafetivo que lutava contra seus múltiplos sintomas (vozes paranóicas, alteração de humor, insônia, pensamentos desesperados e dissociação afetiva), a docente Amanda nos permite compreender como as conversações narrativas nos deslocam do lugar de especialista podendo ajudar os clientes a recuperarem o agenciamento de suas vidas através do resgate de suas competências e habilidades. Avançar nas conversações até chegar a incentivar a cliente a compartilhar suas experiências tornou-se imprescindível para acabar com a sensação de isolamento e solidão de June, além dela passar a se sentir importante, pois sua história serve de força motriz para mais pessoas – momento ímpar do processo. Por fim, introduzir a dimensão futura com sonhos e realizações da cliente nos dá uma visão ampla de como atravessar diferentes mapas das práticas narrativas em um único tratamento. Excelente exposição!
Também gostei, principalmente como se faz a busca por historias de empoderamento, alternativas.
Achei muito legal o vídeo da Amanda com a June pois muitas vezes falar de seus problemas pessoais com outra pessoa ajuda você a vence-los eles, muito interessante que a June conversando com a Amanda conseguiram ter um ótimo avanço psicológico .
Um dos vários problemas para começar com colaborações é o tempo e o dinheiro, pois nem todos gozam de tal privilégio.
Giovanne, você tem um senso bem crítico!
Não sei se pode chamar de colaboração o nosso projeto da escola ( JEPP ), um meio na qual percebemos que tempo e colaboração de todos, tanto na parte financeira com a ajuda dos alunos, é super importantes. Mesmo sendo fazer uma doação para pessoas que necissitam de ajuda.
Minha pesquisa de doutorado é orientada pelas práticas colaborativas de Harlene Anderson. Trabalhei em campo em uma unidade saúde da família junto com profissionais de saúde e adolescentes para termos conversas sobre sexualidade e gênero. Desde sua construção até o desenvolvimento do grupo com adolescentes em si foi feito de modo colaborativo. Foi muito interessante verificar como a maneira de estar com as pessoas tem impacto direto em como elas se engajam em atividades. Para mim, o maior desafio é lidar com questões de hierarquias estruturais, desigualdade de poder, especificamente, no meu caso, relacionadas às diferentes profissões e às questões de gênero. Mas é também um desafio sair da condição da pesquisadora que sabe que, para a que sabe como. E são as tensões dos desafios que nos fazem crescer, assim como mostrado em todos os materiais desta sessão. Muito legal! <3
Acho que você em um ponto que também me incomoda: a questão das hierarquias no processo terapêutico quando ocorre em instituições. é muito difícil trabalhar com pessoas que tiveram um aprendizado estritamente técnico, longe das ciência humanas.
A premissa de que as pessoas são especialistas em suas próprias vidas é encantadora e bastante empoderadora também. Para mim, é fundamental, pois não há como me colocar como especialista da vida de alguém. Esse trabalho faz com que as pessoas sejam também protagonistas das suas próprias histórias. Além da postura descentralizada e influente, acho interessante também a postura bottom-up. O vídeo de Tileah é apaixonante e tem perguntas riquíssimas no processo de externalização. O texto de Sue Mann me toca, particularmente, por já ter trabalhado em uma maternidade e em uma uti neonatal. A ideia das pessoas poderem compartilhar suas histórias em um prontuário e não alguém fazer isso por elas é sensacional!
Manoel Vasconcellos Gomes, Brasil, Rio de Janeiro. Já fiz colaborações em atendimentos à comunidade carentes. O que fez esta colaborações ser possível foi a vontade das pessoas em participar do projeto. A dificuldade foi o despreparo de algumas pessoa para lidar com a situação. O processo de trabalhar com descolonização me atrai, principalmente no campo acadêmico. é muito difícil sermos nós mesmos.
Danielle Marinho, Rio de Janeiro, Brasil.
A colaboração entre paciente e terapeuta/assistente social/enfermeira se mostra extremamente eficaz na criação de uma relação sólida de confiança. Ao introduzir a presença do paciente enquanto autor de sua própria história e peça fundamental da escritura do documento, ele se vê importante, com a capacidade de implementar limites, barreiras e trilhar o seu conto a partir do caminho que escolher.
Essas histórias foram muito ricas e extremamente importantes para compreender o capítulo, mas o que mais me fascinou foi o vídeo da enfermeira australiana com paciente com T. Esquizoafetivo. Toda a sua fala, abordagem, perguntas, a guia da conversa e todo o tratamento foram incríveis. Pude ver ética, paixão, curiosidade, profissionalismo, técnica e um olhar humano. Obrigada pela oportunidade!
Sandra Mara de Mello
Barretos – SP
Eu sempre gostei de trabalhar com comunidades e todos esses ensinamentos estão acrescentando muito na minha vida, como existem histórias atrás das histórias. Como podemos ajudar com Ética, humildade, empatia, valorização das pessoas e, principalmente a externalização, a pessoa não é o problema, o problema é o problema.
Muito enriquecedor o vídeo da Amanda assim como poder pensar sobre responsabilidade colaborativa.
Brasil – São Paulo – São Paulo
Participo de práticas colaborativas no atendimento de jovens abrigados. O material deste módulo me fez refletir e repensar em novas formas de trabalho. Principalmente em relação às histórias e histórias atrás das histórias, no impacto que as histórias têm na formação da identidade e na forma em que ainda somos frutos da colonização.
Não tenho experiência profissional em práticas colaborativas. Mas, penso como alguns colegas, que há uma certa dificuldade para construir parcerias com instituições, além das questões estruturais específicas. Vejo como um desafio ocupar estes espaços, com algumas dificuldades que podem ser superadas.
Erika São Paulo
Oi! Falo do RJ.
O que mais me chocou nesse “capítulo” foi o caso do sem-teto que levou os dados dele lá no hospital. Porque acredito que ele deva ter os motivos dele para não querer a ajuda dos assistentes sociais e nem de colaborar, no entanto, ser resumido somente pelo ponto de vista dos funcionários lá, é algo triste, porque foi apenas uma faceta dele que eles viram.
Por isso, eu achei incrível a Sue perguntar como eles gostariam de ser retratados nos registros médicos, que não importa a profissão, a “canetada” tem um poder enorme, e isso se torna mais delicado ainda com um terapeuta, que pode injustamente, mudar toda uma vida de alguém.
Muito clarificador a apresentação da Amanda. Também super importante poder pensar sobre os problemas familiares e individuais aconteceram dentro de um contexto cultural e social. Além da hierarquia e a responsabilidade colaborativa.
Como eu já escrevi anteriormente em outra aula, uma dificuldade e atraso que vejo no Brasil é a falta de colaboração entre as profissões. Por tudo que venho aprendendo acerca das práticas narrativas, na Austrália e demais países, ela é exercida por psicólogos, terapeutas, enfermeiros, assistentes sociais, etc. Já aqui no Brasil, provavelmente é algo de exclusividade do psicólogo apenas, definido por lei. Também vejo um ambiente muito rico na Austrália. Um local como o Dulwich Centre, onde variados profissionais se apresentam. Ao menos nas cidades onde morei, eu, como psicólogo, não encontrei ambientes onde houvesse tais trocas enriquecedoras. Eram sempre psicólogos falando para psicólogos. É como se enfermeiros, assistentes sociais e demais profissionais não tivessem nada a contribuir com a psicologia, uma certa arrogância. Então vejo isso como um enorme entrave.
Luis Carlos de Souza, São José do Rio Preto, São Paulo. Fantástico ouvir Tileah Drahm-Butle, aqui pelo Brasil também temos lideres como ela, a defesa e o confronto por um mundo que atropelou nossos antepassados está presente em todos os lugares do mundo. Sua indignação, sua luta e sua busca pelo reconhecimento da necessidade de tratar os povos que aqui estavam de uma forma respeitosa é mais do obvio. Mas o que vemos acontecer tanto lá como cá é uma segregação, uma máquina que vai passando por cima de todos e querendo que a nova cultura seja aquela que norteia a nossa realidade. Quem sabe um dia, com a nossa luta, possamos saudar Tileah e Ailton Krenak como pessoas que devolveram o amor a terra, possam ser os verdadeiros lideres de uma nova realidade que busca a paz e o respeito pela diversidade, longe da nossas vidas tão distantes desse desejo nos dias de hoje. Salve Krenak, salve Tileah.
Práticas colaborativas são excelentes instrumentos de aproximação e de igualdade, mas se não forem permeadas pelo encontro EU-TU acabam por ser banalizadas pelas exigências sociais e financeiras. Há que se entregar ao encontro pessoa a pessoa para valorizar não só o acontecimento, ou o momento, mas o outro e o que podemos nos oferecer em trocas e partilhas em prol de todos.
Uberaba, Minas Gerais. Ao meu ver, somente uma prática terapêutica colaborativa é capaz de atender às necessidades contemporâneas de pessoa, porque possibilita um diálogo transparente sobre o caminho que está sendo percorrido e, inclusive, os caminhos tomados são em escolhidos em conjunto. A corresponsabilidade pelo desenvolvimento do processo terapêutico contribui também com o engajamento do cliente, e com o sentimento de autoria do mesmo sobre sua história e seu futuro, isto é, o ajuda a sentir-se externo aos dilemas e cristalizações, e com mais recursos para construir outros entendimentos.
Esse modulo foi realmente muito interessante nos trazendo relatos de lindas experiências de praticas colaborativas que são realmente inspiradoras. Sem duvidas após essas explanações fico ainda mais motivada em buscar formas de utilizar as praticas colaborativas em meu trabalho.
De Franca-SP
Gostei muito desse módulo e em especial do vídeo da enfermeira Amanda, ao relatar sua experiência e visão de mundo. Assumir a postura de colaraboação e responsabilidade pode ser um desafio quando se fala tanto de assumir lugares de especialistas e onipotência. Pode ser ir contra pensamentos hegêmonicos, mas é essencial para que se busque por mudanças sociais e estruturais mais amplas.
No último ano, fiz parte de um projeto chamado “Mapa do Acolhimento”, que presta atendimento psicológico e jurídico voluntário para mulheres vítimas de violência de gênero.
Na minha percepção, o contato com a Terapia Narrativa e com o pensamento sistêmico e psicodramático tem me auxiliado muito a conduzir conversas terapêuticas visando a externalização do problema para, então, enfrentá-lo.
Tratando especificamente de uma pessoa que atendi: no início do processo terapêutico, ela ainda estava bastante impactada com o que lhe havia acontecido, relatava sentir-se “um objeto quebrado” e centrava suas histórias em um evento específico de abuso e na sua identificação como a parte abusada.
Aos poucos, fomos investigando o que significava o “abuso” nos seus termos e ampliando as histórias, identificando abusos em outras relações e, assim, possibilitando a ela agenciar o próprio olhar sobre as relações que estabelecia com os outros, sentindo-se mais segura para iniciar ou interromper vínculos, entendendo suas motivações para isso.
Certamente a iniciativa do “Mapa do Acolhimento” tornou este encontro possível. Mas vejo também que uma identificação pessoal que tenho com o tema facilitou a nossa conexão e, o principal, que penso que possibilitou uma Colaboração associada à Responsabilidade: entender o lado dela, nos seus termos, sem deixar de entender que não era o único lado possível. Entendo que o processo de Re-autoria implica em uma descristalização dos Dramas vividos e dos Papeis com os quais nos identificamos.
Depois de estabelecermos confiança e uma relação mais descontraída nas sessões, ela foi me contando de situações onde ela tinha sido “arrogante”, “grosseira” e impaciente com os outros.
E, claro, também pude conhecer histórias coletivas sobre questões de gênero e abuso na sua família, bem como a sua paixão por Direitos Humanos e por querer combater injustiças e violência.
Acredito que encontros que se dão através de instituições e projetos sociais como o “Mapa do Acolhimento” facilitam a prática da Colaboração e da Responsabilidade de forma a impactar o espectro da Coletividade.
Quando o encontro se dá pela esfera do particular/privado/individual, fica um pouco mais difícil, na prática terapêutica, interseccionar a história individual com a história coletiva – mais difícil, porém não impossível.
Eu me identifico bastante com os trabalhos que estou podendo conhecer através deste curso. Gostaria de trabalhar cada vez mais com Práticas Narrativas Coletivas.
Vejo que o próximo passo seria pertencer a uma comunidade de Terapeutas Narrativos, para obter trocas constantes e maior suporte.
Mas aparentemente parece não ter nenhuma em Curitiba. Que é de onde eu escrevo.
Até o momento tive conhecimento de três espaços/projetos.
O Reciclando Mentes (RJ), o Instituto Noos (SP), e o projeto de Terapia de Exposição Narrativa (RJ), que recebe financiamento da Fiocruz.
Saudações,
Bárbara Piazza | Psicóloga e Escritora | CRP 08/31939